terça-feira, 16 de abril de 2013

POLITICAMENTE CORRETO, SUFOCA AS PESSOAS


GERAL

Fita Métrica, por Elton Simões

Às vezes imagino que sobrevivi por milagre. Cresci comendo doce. Ovo era parte da dieta de todos os dias. Dias estes que não começavam sem um pão francês, carregado de glúten. Andava descalço. Brincava na rua. Falava com estranhos. As pessoas não usavam cinto de segurança.
Parece que só mesmo o acaso explica a sobrevivência de gente com estes comportamentos. Ou melhor, a combinação do acaso com a adaptação contínua aos novos tempos é o que parece garantir a sobrevivência física e social.
Os costumes evoluem e a gente vai abandonando velhos hábitos que, por sua vez, provavelmente serão, no futuro, considerados obsoletos e substituídos por outros, novos ou não tão novos, hábitos. Sobreviver física e socialmente pressupõe ser capaz de mudar e acompanhar o que (parece) seja o espírito de cada tempo.
De todas as adaptações, a que demanda mais trabalho talvez seja a necessidade de ser politicamente correto. No nosso tempo, parece não haver espaço para certas palavras, expressões, humor ou manifestações. Conviver socialmente é ser politicamente correto.
Já não há mais espaço para piadas de português, papagaio ou qualquer pessoa, etnia, classe, religião, sexo ou, aparentemente, qualquer coisa, pessoa ou animal. O risco de ofender com comentários corriqueiros nunca foi tão grande. Vivemos em uma época em que a melhor solução talvez seja substituir a língua por uma fita métrica que possa entregar as palavras na medida exata do socialmente aceitável.


Desvios são rigorosamente punidos. Qualquer deslize requer desculpas veementes e necessárias (preventivamente, já vou pedindo minhas desculpas por aqui, caso eu não esteja sendo politicamente correto). O politicamente correto parece estar tomando precedência à liberdade de expressão. Cada vez mais, a forma como se fala parece ser mais importante que o que se pensa ou o que se observa.
Ironicamente, expressões que foram criadas para evitar a discriminação acabam sendo somente outra forma de se referir à mesma ideia, grupo ou pessoas. Muda-se o rótulo, apenas.
Na tentativa de construir uma sociedade sem discriminação, o politicamente correto parece focar exatamente na diferença. Cria fragmentação e prejudica a diversidade. Cria uma espécie de ditadura das palavras. Com a desvantagem de tornar a convivência e comunicação mais complicadas. Afinal, ainda não é possível (mesmo que seja obrigatório) trocar a língua por fita métrica. Por enquanto.

Elton Simões mora no Canadá. Formado em Direito (PUC); Administração de Empresas (FGV); MBA (INSEAD), com Mestrado em Resolução de Conflitos (University of Victoria). E-mail: esimoes@uvic.ca . Escreve aqui às segundas-feiras.