A corrupção no Brasil aumentou porque passou a ter mais controles ou passou a ter mais controles porque aumentou? A resposta não provoca tantas dúvidas quanto o teorema do biscoito encaixado naquele intrigante comercial de TV de meados dos anos 80: “vende mais porque é fresquinho ou é fresquinho porque vende mais”?
A profusão de casos de corrupção, que se espraia pelos espaços midiáticos, não deixa dúvidas: para 64% dos brasileiros, a praga se alargou. Se a questão é posta para autoridades, a resposta é outra: nunca a corrupção foi tão combatida como hoje e, graças aos mecanismos de controle, tem diminuído. Sua visibilidade é grande porque o momento é de muita transparência.
Nenhum governo aceita a pecha de compactuar com as teias de corrupção que se formam nos porões da administração pública. A transparência e a faxina em frentes ministeriais, com o desligamento de pessoas envolvidas em denúncias de corrupção, nos moldes em que a presidente Dilma Rousseff adota (já demitiu 16 do Ministério dos Transportes), ajudam o governo a caminhar na via da moralização, mas sugerem que a administração federal é como um imenso queijo suíço, exibindo buracos por todos os lados.
A observação aponta para a seguinte hipótese: os buracos escondem ilícitos em graus variados. Entendida como comportamento de autoridades que se desviam das normas a fim de servir a interesses particulares, a corrupção revela a existência de frágil institucionalização política. Demandas exógenas se superpõem aos papéis institucionais, envolvendo, quase sempre, a troca de favor político por riqueza econômica.
Mas há aqueles que trocam dinheiro por poder político. Qualquer que seja o caso, vende-se algo público por um ganho particular. É evidente que tal moldura pode ser estreitada ou alargada nas carpintarias dos governos.
Como é sabido, estes trabalham com uma das mãos no balcão da política. Governantes compõem as estruturas da máquina com quadros e perfis que lhes deram apoio e com eles chegaram ao poder. Aqui se localiza o primeiro rolamento da engrenagem disfuncional. Parcela substantiva dos corpos funcionais age de acordo com interesses grupais (atendendo demandas de partidos que integram) ou mesmo a interesses individuais.
Vale lembrar que a política, de missão cívica, povoada por cidadãos escolhidos para representar a coletividade, transformou-se em profissão. Como tal, arregimenta quadros atraídos pelo escopo da acumulação material.
O Estado moderno contribui, sim, para a expansão da corrupção, na esteira da criação de fontes de riqueza e poder, ascensão de grupos, surgimento de novas classes, estruturação de fontes de recursos e expansão de possibilidades.
Os surtos de modernização social e econômica implicam mudanças profundas na vida política. Daí se inferir que a corrupção, aqui, na Europa ou nos Estados Unidos, era bem menor há um século. Os campos de ação eram menos elásticos.
A instituição política tradicional, por sua vez, incorpora, hoje, outros valores. Tornou-se banalizada. A administração de coisas materiais assumiu o lugar de ideários. As doutrinas murcharam, as utopias feneceram. E assim, os círculos dos negócios inundaram o universo político.
Sob esse pano de fundo, a resposta à questão inicial não deixa dúvidas: a corrupção se expande na razão direta da modernização do Estado. Interessante é observar que os sistemas de controle também se multiplicaram. Entre nós, os conjuntos formados para apurar e mapear desvios (Ministério Público, Tribunal de Contas da União e dos Estados, Advocacia Geral da União, Controladoria Geral da União, Polícia Federal etc) têm sido atentos e proativos.
Dispomos, também, de um conjunto de Agências reguladoras, cuja função precípua é a de estabelecer diretrizes para atuação dos núcleos que cuidam de serviços públicos essenciais.
Não raro, porém, tais mecanismos são impregnados de molas politiqueiras (nomes indicados por partidos), que abrem os dutos da ilicitude. Aduz-se que, ao usar ferramentas tecnológicas nas planilhas dos contratos, corruptos e corruptores acabam saindo do foco das lupas e estendendo seu império em plena era da transparência.
Há outros fatores que incrementam a corrupção. A burocracia, por exemplo. Um estudo da FIESP apontou a carga burocrática como fator negativo para a competitividade nacional, calculando que gera um custo anual de R$ 46,3 bilhões. E, como se sabe, ela é jeitinho de espertos e oportunistas para engabelar não apenas os incautos, mas os precavidos.
A corrupção, como cobra de muitas cabeças, reinventa-se, esconde-se para reaparecer em locais inapropriados, como os sagrados espaços destinados aos serviços de populações carentes - hospitais, maternidades, escolas, creches, quadras esportivas- , ou na aquisição de produtos básicos (remédios, merenda escolar, cestas de alimentos).
É vergonhosa a constatação da Advocacia Geral da União, de que 70% das verbas desviadas no Brasil são destinadas às áreas da saúde e educação. A rapinagem chega às raias do absurdo. Além dos desvios de verbas destinadas às crianças e doentes, soma-se o roubo de recursos destinados às cidades devastadas por desastres naturais, como as da região de Teresópolis, no Rio de Janeiro.
As cenas de encostas, bairros, casas e ruas destruídas, arrematando depoimentos de que foram destinados milhões de reais que nunca chegaram àquele destino, coroam a imagem da corrupção desbragada que consome as energias nacionais.
Não por acaso, o Brasil abriga, segundo pesquisa da Transparência Internacional, 26% do dinheiro movimentado pela corrupção no mundo. Mas a própria ONG reconhece que esse índice pode chegar aos 43%.
Há quem calcule que o Produto Nacional Bruto da Corrupção (PNBC) alcance metade do nosso PIB, hoje em torno de R$ 3,67 trilhões. Difícil apurar a quantia exata. Mas tudo indica que Brasil não faria feio em um campeonato mundial de falcatruas.
Gaudêncio Torquato, jornalista, é professor titular da USP, consultor político e de comunicação twitter@gaudtorquato
Um comentário:
Vai aumentar ainda mais ,pois ainda tem uns fichas sujas que vão assumir.Pode isso?
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