domingo, 14 de agosto de 2011

Equlibrio em ZigZag

Do Jornalista Galdencio Torquato, de O Globo


 Gaudencio Torquato é: jornalista, é professor titular da USP e consultor político e de comunicação Twitter @gaudtorquato

A crise crônica que afeta a democracia representativa, aqui e alhures, e cujas causas derivam de promessas não cumpridas, entre as quais Norberto Bobbio inclui a educação para a cidadania, a justiça para todos e a eliminação das máfias do poder invisível, tem mudado a geometria política.

A linha reta já não é o caminho mais seguro para se chegar ao poder. Outrora, disputantes subiam, passo a passo, os degraus da hierarquia política: vereador, prefeito, deputado estadual, deputado federal, senador, governador. Hoje, a movimentação é circular, não mais retilínea. A escalada ocorre em espiral. Para galgar à presidência da República, uma pessoa não precisa ter percorrido, antes, um milímetro na rota das urnas. Os participantes da mesa do poder já não vestem a fatiota clássica da política. Podem se apresentar em trajes da burocracia administrativa e dos negócios.
A mudança também ocorre na esfera da administração pública, onde a previsibilidade, fator que propiciava segurança aos governantes para traçar planos de médio e longo prazo, abre lugar ao imponderável. De exceção, a rotatividade nos comandos vira rotina. A instabilidade, como febre recalcitrante, recai sobre os ciclos governativos.
Desse painel, desponta uma hipótese que assume força na política contemporânea: o ponto de ruptura se aproxima do limite. Regimes e estruturas administrativas vivem em permanente estado de tensão, fruto de composições para preservar a governabilidade.
Acirra-se, por outro lado, a competitividade entre os atores políticos, conforme se vê nessa luta esganiçada entre os partidos republicano e democrata, nos EUA, instados a estabelecer polêmico acordo para elevar o teto da dívida do governo.
Entre nós, o ponto de quebra também está no centro da agenda política. Em pouco mais de sete meses de governo, quatro movimentos balançaram a ponte por onde circulam as cargas de interesses do Executivo para o Legislativo e vice-versa: o impacto da borrasca que fez naufragar o ex-ministro Antônio Palocci; as águas tempestuosas que engolfaram o ex- ministro Alfredo Nascimento, dos Transportes; o oceano agitado que invadiu o ministério da Agricultura e o estouro recente nos dutos do Ministério do Turismo.
As sístoles no corpo administrativo, vale lembrar, são mazelas naturais do presidencialismo de coalizão. Poderiam ser tratadas de modo a não ameaçar a governabilidade? Sem dúvida. Esse é o maior desafio imediato que se apresenta ao governo Dilma, no momento em que se projeta por estas plagas o impacto de nova crise financeira internacional.
O equilíbrio do sistema político, é sabido, depende de um conjunto de fatores. O primeiro abriga o raio de ação e a frequência dos choques que se impõem ao governo. Uns são mais impactantes que outros. O mensalão, por exemplo, foi um petardo de efeitos drásticos.
A repetição de eventos negativos também contribui para aumentar a instabilidade. A queda de avaliação positiva do governo Dilma, por exemplo, tem que ver com a sucessão de casos.
Outro elemento que influi para o equilíbrio/desequilíbrio do processo governativo é o tempo e a capacidade de reação às crises. Quanto mais tempestivas sejam as providências, mais rápido o governo resgata as boas condições de governabilidade. A recíproca é verdadeira.
O terceiro peso na balança da imagem do Executivo é o lucro auferido com a qualidade das respostas. A troca de políticos por técnicos se insere nessa equação. Mas pode gerar sequelas. A limpeza que a presidente Dilma mandou fazer em órgãos do governo aparece como saldo positivo. O perigo está no tamanho e na forma de fazer a faxina.
Pois a assepsia administrativa, que gera simpatia social, há de se ajustar às demandas do presidencialismo de coalizão. Sob pena de romper o equilíbrio entre Executivo e suas bases. Significa que as demandas de parlamentares para liberação de verbas do Orçamento, por eles destinadas a projetos em seus redutos eleitorais, esperam sinal verde da presidente.
O tenso momento que abala as economias norte-americana e européia sugere cautela. A era do dinheiro em um saco sem fundo parece ter chegado ao fim.
Em suma, tibieza e leniência deixam o governo em maus lençóis. Medidas rápidas e objetivas são aplaudidas. O desafio dos gestores centrais é encontrar a medida do bom senso. Métodos violentos e abusivos, se caem bem aos olhos das massas, abrem fissuras nos partidos dos figurantes dos processos.
A Operação Voucher, na área do Ministério do Turismo, que resultou na detenção de 35 pessoas, resgata os sinais do Estado Espetáculo, com flagrantes de prisões e desfile de figuras algemadas. (A Corte Suprema definira o uso de algemas apenas em casos de risco de fuga ou quando os detidos resistem à prisão).
Os dois maiores partidos da base, PMDB e PT, criticam os abusos. Lembre-se que, nos últimos tempos, figuras de alto coturno foram levadas às barras da Justiça. Louvável esforço pela promoção da Cidadania.
Mas o salto civilizatório não pode ser manchado por gestos que comprometam o escopo de respeito e civilidade. Haveria por trás do espalhafato intenção de ressuscitar as bombásticas operações da PF, que funcionaram como alavanca de imagem positiva do ciclo Lula? É pouco provável. Cada governo tem sua identidade. A do governo Dilma, o teor técnico dá o tom. Diferente da régua populista que media os gestos de seu antecessor.
O fato é que as crises intermitentes relacionadas a denúncias de corrupção deixam o governo Dilma entre a cruz e a caldeirinha. O aperto dos parafusos da engrenagem, de um lado, faz bem à máquina burocrática, podendo até elevar os índices de eficiência e produtividade. De outro, comprime e até extingue espaços dos parceiros, os partidos que dão sustentação ao governo.
O dilema está posto: como continuar a varredura moral nas estruturas da administração sem criar embaraços à aliança governista? É possível fazer esse omelete sem quebrar os ovos? Como garantir equilíbrio em uma política que caminha em ziguezague?


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