O Novo Secretário Secdet - Secretaria de Desenvolvimento Estratégico Ciência e Tecnologia, Alex Fiúza de Mello, enquanto Reitor da UFPA publicou o precioso artigo que ora republicamos para reflexão, nesta passagem de ano, daqueles que fazem diretamente a "coisa pública" neste país, para aqueles que usam o sistema e para ou outros que elegem aqueles que nomeiam os que fazem diretamente a "coisa pública".
Estado esquizofrênico e a ditadura do jurídico Alex Fiúza de Mello, reitor da UFPA
O legalismo e a burocracia, como valores dominantes, tornaram-se os pilares de legitimação política no Brasil do século XXI, em detrimento da vontade geral. Se na maioria das nações desenvolvidas evolui-se da velha mentalidade da administração rígida e presa a formalismos para um modelo de gestão mais flexível e pragmático da coisa pública, ainda que com controle social, entre nós o gestor público goza, cada vez menos, de autonomia e liberdade para o desempenho de suas funções finalísticas. A nova gestão pública, inovadora e flexível, como exige a dinâmica do tempo presente – em plena Era Global do Conhecimento –, está condenada, a priori e infelizmente, em nosso país, pelos donos do poder: a burocracia oligárquica.
As instituições estão paralisadas; as obras, atrasadas; os serviços, sucateados. De repente, tudo parece ser proibido. Todo gestor é corrupto, até prova em contrário. Os honestos pagam pelos culpados. Não há espaço ou permissão para inovação, para decisão urgente. Quando não é a Lei que proíbe, são as Portarias, os Acórdãos, as interpretações conservadoras das Procuradorias país afora, mais realistas que a própria Lei. Todos temem a hermenêutica do formalismo exacerbado, da cultura da desconfiança, da caça às bruxas, como se não houvesse mais distinção entre arranjo e dolo, heterodoxia e má-fé, criatividade e burla. Evaporou-se o bom-senso, o discernimento criterioso, o diálogo. As leis e as normas que regem a administração pública são cada vez mais complexas e detalhistas; não obstante, a corrupção aumenta – como a ineficácia. Pagam o preço os pequenos infratores, que se arriscam em benefício da causa pública, normalmente aqueles que não têm dinheiro ou prestígio para se defender da fúria dos tribunais; continuam impunes os grandes contraventores, que usam a máquina em benefício próprio, graças à posse dos recursos que faltam aos primeiros. Os órgãos de controle – conquista importante da democracia moderna em vista da transparência da prestação de contas e da responsabilização da gestão dos recursos públicos (accountability) – apequenam-se e se desvirtuam ao priorizar a obediência a processos (por suposição) formalmente corretos do ponto de vista jurídico em detrimento do atendimento a resultados. Mas a própria hermenêutica do que seja "juridicamente correto" é dúbia e, regra geral, conservadora. O meio se torna mais importante que o fim. As filigranas formais mais apreciadas que as realizações efetivas. Detalhes secundários se sobrepõem ao essencial. E nessa modernização do atraso, o "bom gestor" passa a ser tão-somente aquele que não transgride a forma, ainda que não resolva os problemas. E o que poderia e deveria ser o controle, a supervisão e a luta contra o desperdício, a ineficiência e a corrupção – presença saudável de um Estado modernizado e anti-patrimonialista –, transforma-se, mesmo involuntariamente, no seu oposto, graças aos exageros e às exigências descabidas. Instala-se, silenciosamente, um estado de terror, onde impera a ditadura do jurídico.
O Brasil corre na contra-mão da história. Já faz décadas que o mundo desenvolvido percebeu que o gestor público contemporâneo deve ser técnico e, ao mesmo tempo, político, porque o tempo social – voltado à solução dos problemas dos cidadãos – não corresponde (nunca mais!) ao tempo da burocracia. Propala-se e experimenta-se, alhures, novos paradigmas de gestão pública em nome da qualidade, da eficiência, da produtividade, da economicidade, da liberdade, da responsabilidade da tomada de decisões em tempo hábil, tudo em favor do interesse social maior. A impressão que se tem, contudo, no Brasil e na América Latina é que essa nova filosofia, concepção e sentido de serviço público transitam muito mais no papel e na retórica (vazia) do que na realidade dos fatos. Em terras verde-amarelas, ninguém se entende. Os Poderes não se acertam entre si. Muitas vezes se repelem. Os Tribunais de Contas mandam no Executivo. O Judiciário legisla. O Legislativo executa. Vive-se sob a tutela de um Estado esquizofrênico. Os egos prevalecem sobre o interesse geral. Todos querem ser reis. Distancia-se a república; amordaça-se a democracia.
Hoje, os órgãos que verdadeiramente decidem pelo país são aqueles de Controle e as Procuradorias. Mas essas, muitas vezes, ao invés de exercerem o sadio e nobre exercício do enfrentamento hermenêutico – a única ciência do Direito –, por medo ou por insegurança não raramente se metamorfoseiam em verdadeiras auditorias, preferindo a facilidade da submissão passiva aos acórdãos (formalmente explícitos), nem sempre justos ou inteligentes, ao risco de sua contestação ativa, em favor dos interesses legítimos de seus representados e segundo o espírito da justiça. Nem a Lei é mais cumprida e respeitada pelos seus hermeneutas de plantão, pois a sua interpretação – draconiana – cria, desnecessariamente, mais obrigações e empecilhos que a própria letra do texto. Submerge a res pública; impõe-se o corporativismo.
Assim ainda teimam em sobreviver, no Brasil, em pleno alvorecer do terceiro milênio, as instituições da administração pública (institutos, universidades, agências de fomento) criadas, justa e paradoxalmente, para inovar o futuro: tuteladas, fragilizadas, amordaçadas. E enquanto os demais países continuam a expandir o seu domínio sobre o mundo, com o progresso das revoluções científicas e das inovações, ficamos sempre mais para trás, dependentes e à deriva, com o retrocesso da conservação burocrática e do obscurantismo – data venia.
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